quinta-feira, 13 de julho de 2023

COMO EDITAR...

 Ainda atual...

3.7.09

Como Editar Um Primeiro Livro

Se deseja ser escritor tem de aceitar o risco de nunca viver do que escreve – em Portugal, só meia dúzia de autores o conseguem.
Para quem quiser enriquecer o caminho é outro. Caso não tenha idade para uma academia de futebol, nem «estômago» para fazer carreira nas juventudes partidárias, pode sempre tentar descobrir um enredo esotérico que envolva a Ordem dos Templários ou uma rainha portuguesa infeliz e ardente. Neste caso, ninguém se lembrará de si dentro de dez anos, mas será considerado escritor por alguns amigos mais condescendentes e pelos habituais leitores do género.

A Formação
Na avaliação das suas possibilidades tem de ter em conta a formação. Mais de metade dos escritores que temos cursaram as diversas Filologias ou Direito.
Mas se for um auto-didacta, nem por isso deve desistir. Afinal José Saramago, Agustina Bessa-Luís e Alexandre O’Neill deram boa conta de si.
Outro aspecto a ter em conta é a relação que se tem com o mundo editorial.
Se conhece um editor pode sempre convidá-lo para almoçar e, na altura do café, depois de terem lembrado episódios dos agitados anos setenta, dizer qualquer coisa como: «Lembras-te daquele conto que publiquei na revista da Faculdade? Sabes, tenho andado a escrever umas coisas...»
Se não conhece ninguém, tente os prémios revelação ou o envio do original pelo correio.

Os Prémios Literários…
Há vários modos de obter um prémio literário.
O primeiro é tentar escrever um livro diferente ou melhor do que todos os que já leu, avaliando cada palavra e sentindo o ritmo das frases, tacteando os limites da imaginação. Alguns autores começaram com prémios revelação. Foi o caso de Almeida Faria, com Rumor Branco. Também Agustina editou na Guimarães Mundo Fechado depois de ter vencido um concurso literário. O mesmo sucedeu com Ana Teresa Pereira e Matar a Imagem.
Mas esse é um caminho incerto e, para usar a expressão de Philip Roth, são poucos os jovens escritores para quem «as dificuldades são uma espécie de divindade».
Aos impacientes sugerimos dois atalhos.
O primeiro é percorrer dia e noite a rua onde mora Gonçalo M. Tavares, esperando encontrar uma mochila perdida com algum original – afinal é o autor que mais prémios tem recebido. O outro é enviar para concurso um romance que imite descaradamente o estilo de Vasco Graça Moura, que está em pelo menos metade dos júris literários, esperando que ele convença os seus pares de que estão perante um enorme talento (neste caso, é inconveniente usar o novo Acordo Ortográfico).

… E o Modo de os Receber
No caso de o prémio lhe ser atribuído, pode limitar-se a agradecer o «estímulo» ou adoptar uma atitude à Thomas Bernhard, a do mendigo insolente, comprando um fato para a cerimónia e insultando o júri, a literatura oficial e o país.
Há ainda uma atitude intermédia, a de pedir ao editor que o represente. Caso deseje fazer carreira no Jornal de Letras, pode justificar a sua ausência com uma viagem aos palácios do Grande Canal em Veneza ou ao Campanile de Giotto em Florença. Se lhe interessa mais a Câmara Clara, justifique-se com uma ida a Nova Iorque para ver no MoMA uma retrospectiva de Rothko.

O Envio do Manuscrito por Correio
Ao enviar o manuscrito para o editor, deve ter em conta que manuscrito é um modo de dizer.
Nos tempos que correm, nenhum editor lhe perdoará – a não ser que o autor tenha mais de noventa anos – o envio de um texto manuscrito ou mesmo teclado à máquina. Tudo é mais fácil, sobretudo se o original vier a ser publicado, com um texto em suporte digital acompanhado pela respectiva impressão (o original deve ser endereçado ao próprio editor).
Além disso, é preciso saber escolher a editora. Se é influenciado por Bukowski e Henry Miller não vale a pena pensar na Gaialivro, que publica histórias onde até os vampiros são castos. Se colecciona autógrafos de Margarida Rebelo Pinto, tente logo a Oficina do Livro.

A Edição de Autor
Tradicionalmente, o autor cujo original era várias vezes recusado imprimia a obra à sua custa (ou aceitava participar nas despesas da editora o que ocultava muitas vezes um negócio obsceno).
O caso mais famoso de autoedição é o de Miguel Torga.
Hoje, com o desenvolvimento conjunto da Internet e da impressão digital, a edição de autor aproxima-se já, em número de títulos, da edição normal em países como os EUA.
Algumas companhias como a Creative Space da Amazon produzem obras cobrando os custos de impressão e partilhando os lucros. Em 2008, a Author Solutions publicou 13 mil títulos, atingindo os 2,5 milhões de exemplares, em parte distribuídos através da Amazon ou acessíveis no site da maior cadeia de livrarias norte-americana, a Barnes & Noble.
Na Europa, onde as tradições culturais são diferentes, o movimento é incipiente, no que se refere à ficção narrativa e poesia. No entanto, algumas livrarias britânicas dispõem já de serviços de impressão a pedido, que podem servir a autoedição.
Dados os riscos financeiros e tempo que exige, a autoedição só deve ser encarada pelos autores recusados pelas editoras «tradicionais» que tenham uma nítida convicção do seu talento.

O Título
O título deve merecer um cuidado particular. Bruscamente no Verão PassadoO Jardim dos Caminhos Que Se BifurcamÀ Sombra das Raparigas em Flor ou A Senhora Smilla e a Sua Especial Percepção da Neve são títulos que fizeram muito pelas respectivas obras.
O início do livro pode ser decisivo. Nas editoras de menor dimensão a leitura é feita pelos próprios directores que vão decidir se continuam depois de ler dez páginas.
De qualquer modo, têm de ser originais, pelo que não é boa ideia começar com: «Durante muito tempo fui para a cama cedo. Por vezes, mal apagava a vela, os olhos fechavam-se-me tão depressa que não tinha tempo de pensar: “Vou adormecer.”»
Na poesia evite confundir versos com bons sentimentos e não acredite que somos um país de poetas. E não lhe fará mal seguir o conselho de Virginia Woolf em Carta a Um Jovem Poeta: «Nunca publique nada antes dos 30 anos.»

A Espera
Enviado o original, tem de saber esperar. Mostrar impaciência passada uma semana é mau sinal. E esperar mais de seis meses revela falta de convicção. O melhor é informar-se dos prazos junto do editor (são poucos os que em Portugal têm o apoio de Comissões de Leitura).
Mas o principal é saber que apenas um em mil originais será aceite. De qualquer modo, envie o seu para vários editores. As possibilidades aumentam e se um deles o aceitar poderá sempre ter o prazer de explicar aos outros que lamenta mas...
Em caso de recusa, pode pensar que o editor é um incompetente, o que pode muito bem ser o caso. Em Busca do Tempo PerdidoDebaixo do VulcãoUma Conspiração de Estúpidos e Levantado do Chão, integram a longa lista de originais recusados. Até os melhores se enganam. Basta lembrar que o Ulisses foi recusado pela Hogarth Press dirigida por Virginia Woolf e Leonard Woolf (se Joyce fosse editor era também provável que recusasse o delicado Orlando).
Em alternativa, leia A Tabacaria com «Desespoir agréable» de Satie como música de fundo, e convença-se que a posteridade saberá reconhecer os seus.

Original Aceite

Se o seu livro for aceite, é provável que o editor tenha algumas sugestões a fazer. Apesar de tudo, tente ser razoável. Se ele achar que poderia reduzir as 1000 páginas do original para, digamos, 930, não desate logo a falar em Guerra e Paz. E se o editor discordar que o nome dos personagens mudem de capítulo para capítulo, não invoque o santo nome de Agustina.

Argumentos Extra-Literários
Em relação a alguns editores pode avançar argumentos extra-literários. Se tencionar viver entre os papuas da Oceânia, mudar de sexo ou assassinar alguém ao virar da esquina, deve referi-lo, pois a cobertura mediática para o seu livro ficará assegurada. Para certos editores o argumento é decisivo.

O Contrato
Depois de o seu original ser aprovado e discutidas eventuais sugestões de alteração (como sabe mais usuais nos países anglo-saxónicos que nos latinos), não deve esquecer o contrato. Este pode ter trinta alíneas, mas só quatro são importantes. Deve recusar a exclusividade e exigir a aprovação da capa se não quiser apanhar um susto de letras douradas em relevo que o perseguirá o resto da vida. Ainda mais decisivo é o prazo de vigência e a percentagem de direitos a receber. A nossa lei de direito de autor estipula que na ausência de especificação a vigência de contrato é de 25 anos e os direitos autorais de 25 por cento.
Ou seja, nenhum editor se esquece de definir a percentagem de direitos, que normalmente vai de 10 a 12 por cento (nas edições de bolso esse valor pode ser de 5, para os «mais vendidos» alcançar os 15 por cento e para e-books e audiolivros ainda não há um valor habitual). Mas alguns editores «esquecem-se» do período de vigência do contrato (cinco anos é um prazo razoável).

O Lançamento
Os lançamentos podem ser uma ocasião para o autor reunir os amigos. Mas só no caso de ser também jornalista terá assegurada a presença dos media.
Não insista com o editor para que intervenha. Há editores tão reservados que prefeririam ser obrigados a ler um livro de Fátima Lopes a falar em público.

A Lealdade
No caso, provável, de o seu primeiro livro ter vendas discretas, evite andar pelas livrarias a colocá-lo em destaque nos expositores. Se passados seis meses deixar de o ver, não proteste junto do editor, pois são regras de mercado que ele tem dificuldade em contrariar.
Caso o seu livro seja um êxito de vendas, evite que isso lhe suba à cabeça. Não use o pretexto de uma gralha na página 176 ou a ausência de exemplares num quiosque de Bragança para negociar o seu próximo livro com um grande grupo editorial, que provavelmente nunca publicou nenhum novo autor.
Afinal há uma diferença entre um editor que se preparou para acolher a radical novidade que é a descoberta de um autor e aquele que alinha o seu catálogo pelos tops de vendas internacionais.

Francisco Vale

quinta-feira, 6 de julho de 2023

DEZ CRÓNICAS ALGARVIAS SOBRE LITERATURA

 

DA MINHA JANELA VÊ-SE O ALGARVE (10 CRÓNICAS BREVES)


 
 
 
DA MINHA JANELA VÊ-SE O ALGARVE
LUÍS ENE
 
CRÓNICAS PUBLICADAS NO JORNAL BARLAVENTO DE JUNHO A OUTUBRO DE 2016
 

[publicado em 16/06/16]

 

Caro leitor

 

Fernando Cabrita, poeta que vive em Olhão, a nove quilómetros de onde eu próprio vivo, costuma dizer que existe uma genealogia na escrita (na verdade ele diz poesia) que leva a que na escrita de um escritor sejam sempre acolhidos muitos outros escritores. Isto porque o escritor escreve o que é, mas também o que lê. Assim, o que eu escrevo, o que qualquer escritor escreve, tem sempre raízes numa literatura que lhe é anterior e que lhe serve de estrume, porque o escritor é sempre e antes de mais um leitor. Se chegaste até aqui, caro leitor, tem paciência e segue-me até ao próximo parágrafo.

 

Ainda estás aí, leitor? Sim? Está bem. Dá-me então mais um pouco de atenção, para que tente explicar-te porque te considero tão importante. A língua define-nos como ser humanos, e o mesmo vale para a arte, comum a todos nós, que é a arte de contar histórias. Eu sou escritor, daí esta familiaridade contigo, leitor, daí a importância que te dou, porque só em ti o que escrevo se lê e existe verdadeiramente. Um grande escritor, Jorge Luís Borges, que cito de cor, correndo o risco de errar, disse que as bibliotecas são cemitérios. Na verdade um livro que não é lido está morto e só o leitor pode dar-lhe de novo vida. Daí a tua enorme importância, leitor, daí a tua enorme responsabilidade. Permiti-me então que te convide para um novo parágrafo.

 

Procuro ainda um ponto de partida comum para estes textos, escrevo, mas na verdade já o tenho, ainda que só agora me tenha apercebido. É assim a escrita, cheia de dúvidas e de revelações. Escreve-se, escrevendo; e é assim que escreverei estas rubricas. Sei que o que escreverei estará à sombra de uma verdade que é a de que da minha janela se vê o Algarve, título e tema que afinal escolhi para estas conversas com o caro leitor.

 

Qualquer mentira deve, já dizia certeiro o poeta António Aleixo, trazer à mistura qualquer coisa de verdade. E é o que acontece neste caso. Da janela (do meu quarto) vê-se realmente o mar, vê-se o azul, e o Algarve é azul, disso não tenho eu dúvidas. Assim,  da janela que será esta rubrica poderemos, eu e tu, caro leitor, espero eu, ver sempre o Algarve, o Algarve em letras, porque eu sou um escritor e estou no Algarve.  Mas, caro e paciente leitor, tal como agora me seguiste parágrafo a parágrafo; se me quiseres continuar a ler, e ver o que escreverei, terás de me seguir até uma próxima vez, que agora vou ficar por aqui.

 

Desculpa-me ter dito tão pouco, é o que sinto, mas acredita que quanto mais eu me calar mais tu te dirás.

 

Até à próxima.


 

 

[publicado em 06/07/16]

 

Escritores Algarvios?

 

Resido em Faro, no Algarve, e ainda que essa circunstância em nada influencie a minha escrita, é muito provável que a mesma tenha mais reflexos em Faro e no Algarve do que em qualquer outro lugar onde não resido e não intervenho. Assim, ainda que me afirme, acima de tudo e tão só escritor, a circunstância (desejada) de viver em Faro não é certamente de desprezar e, nesse sentido, não rejeito nem desprezo a designação de escritor algarvio, exatamente porque aqui resido e intervenho com mais frequência.

Não pretendo aqui, longe de mim, discutir ou defender a existência de uma literatura algarvia ou mesmo a sul. Outros já o fizeram muito melhor do que eu o faria! Leia-se por exemplo “A criação literária e o Algarve, no Algarve ou do Algarve? – Reflexões sobre literatura regional(ista), de Adriana Nogueira.

Mas aqui estou eu, em Faro, no Algarve, e relaciono-me e agrupo-me com outros escritores e editores que como eu aqui residem, como Fernando Esteves Pinto ou Pedro Jubilot, ambos escritores e editores algarvios, ambos olhanenses, atrevo-me a dizer, o primeiro por escolha e o segundo por nascimento.

Por mim, ainda que nascido na Damaia, e algarvio apenas por circunstância e escolha, aceito e agrada-me ser descrito como um escritor farense, como o diretor deste jornal em que escrevo me designou, e a verdade é que aqui e ali Faro entra na minha escrita. Deixa-me, caro leitor, que traga para aqui um texto que é exemplo disso, retirado de um pequeno livro inédito, com o titulo genérico de “O meu café”.

 

“Na cidade onde vivo é tão fácil encontrar o seu café como é fácil encontrar o meu café, e não é que eu queira dizer com isto que na cidade onde vivo qualquer um pode encontrar um café que seja seu.

A verdade é que na cidade onde vivo existe um café que se chama O Seu Café, e, embora O Seu Café não seja o meu café, ficam os dois no mesmo largo, um opondo-se ao outro.

Assim, posso dizer que o meu café fica no largo em questão e é aquele que não é o seu café, não só localizando-o assim na perfeição, como fazendo-o ainda mais meu.”

 

Claro que só quem conheça o café em questão sabe do que falo, mas quem não souber não fica em nada prejudicado na sua leitura.

O leitor que me desculpe pelo facto de me citar e também de trazer aqui a questão (sem dúvida inócua) da existência de escritores e editores algarvios, porque pode ou não acreditar-se nisso, mas que existem, existem, e estão por aqui, pelo Algarve, e querem (e devem) ser levados em conta.

Até à próxima leitor, e toma atenção aos escritores perto de ti.


 


[publicado em 21/07/2016]

 

Oh meu Algarve

 

Oh meu ardente Algarve impressionista e mole, canta João Lúcio, com palavras que muitos conhecerão de cor, no seu poema O Meu Algarve, de 1905. O Algarve visto pelo poeta é um Algarve belo, um Algarve vibrante, um Algarve em que os seus contemporâneos se teriam certamente revisto (ou admirado) mas que hoje (quase) já não existe.

Numa altura em que se discute o petróleo no Algarve e em que parece renascer a discussão sobre o impacto ambiental do turismo na região, as palavras de João Lúcio já não nos servem, a não ser pela sua beleza intrínseca, porque pouco se vê nelas do Algarve de hoje.

Os tempos mudam, é verdade, porém, para nossa felicidade, arrisco-me a dizer que existem escritores (e aqui incluo os poetas) que continuam a olhar o mundo (e o Algarve) e a abrir-nos os olhos. A verdade é que Portugal sempre foi um tema privilegiado dos escritores portugueses, como facilmente concluímos quando olhamos a literatura portuguesa. Se os portugueses (nós todos) os temos escutado essa é outra história, como se costuma dizer.

João Bentes, nascido na ilha de Faro, recupera um século  depois o verso de João Lúcio, e diz (acusa) por exemplo, “oh meu algarve impressionista e trágico”. O Algarve, ainda impressionista, já não é agora mole, mas trágico. O tom adivinha-se outro e é realmente outro; o Algarve (ou o algarve) que este outro João nos dá a ver é outro Algarve e vale a pena o confronto com essa visão que nos escancara os olhos para uma nova realidade que teimamos em ignorar. Mas felizmente o poema está aí para ser lido com olhos de ver.

De um texto de Henrique Manuel Bento Fialho sobre o livro que contém o poema, reproduzo um pequeno excerto que não dispensa a leitura do todo: “Distante da comunidade lisboeta, (João Bentes) coloca no centro das suas atenções a paisagem algarvia. É muito pertinente esta opção, não só pela ligação às origens geográficas, mas por poder ser hoje o Allgarve um símbolo da degenerescência portuguesa que nos trouxe ao estado de histeria nacional em que vamos andando, paradoxalmente, cada vez mais conformados com a miséria alheia.”

Gostaria de reproduzir aqui todo o poema, mas não o farei, não só porque não pedi autorização ao poeta, mas sobretudo porque gostava, caro leitor, que o procurasses e o lesses com a atenção que merece.  O livro chama-se Odes e foi publicado por uma editora algarvia, a 4 águas, em 2012. Deixo aqui, a terminar, uma das suas estrofes, a inicial, porque o poema é tão bom que hesito escolher uma.

 

oh meu algarve cimentado em prol

da luxúria verde dos “resorts”

deu-te deus um mar azul e tépido

onde lavas a cara à sombra das concessões

nos três meses que te salvam da fome

 

Convido-te pois, caro leitor, a olhares para o Algarve (ou algarve) com os olhos do poema. E até à próxima.



 

Deixa-te intrigar, o que nos intriga é bom!

publicado em 04/08/2016

 

Espreito o novo livro de Adão Contreiras e confesso-me intrigado. Se o titulo já era intrigante – Mostruário de Títulos para Poemas – o conteúdo não lhe fica atrás. Adão Contreiras realizou inúmeras exposições de pintura e escultura e publica agora o seu terceiro livro em três anos. O livro em causa encontra-se publicado na coleção 4águas da editora com o mesmo nome e é provável que passe despercebido, o que também me intriga.

A qualidade referida é uma das que mais aprecio. Ser intrigante é o contrário de ser mais do mesmo, de não ser aquilo que com mais facilidade encontramos no dia a dia. Algo intrigante é algo que nos interpela, que nos deixa curiosos, que desperta a nossa a nossa inteligência e a nossa criatividade. No meu caso particular, algo sobre o qual, caro leitor, me apetece escrever e escrever-te.

Em Faro, onde vivo, tenho conhecido nos últimos anos alguns novos  locais/estabelecimentos comerciais que me têm intrigado e que me continuam a intrigar. Uma cidade sem locais de encontro é uma cidade morta e Faro estava e ainda está numa desagradável letargia de que o longo encerramento do Café Aliança é um sinal evidente. Destaco alguns desses locais, sem prejuízo de outros, que deixo ao teu cuidado lembrar, caro leitor.

Ocorre-me assim, sem pensar muito, a “Sardinha de Papel”, nome que sugerirá talvez uma peixaria ou uma livraria, mas que é uma organização comunitária e um espaço muito agradável de exposição e venda de artesanato. A seguir, para dar mais dois exemplos, agora na restauração, aponto “A Venda” e a “Mavala Osteria Italiana”, cada uma delas com características singulares, que te convido, caro o leitor, a descobrir. São espaços tão intrigantes e estimulantes como o livro inicialmente referido, um livro de poemas que (aparentemente) não contém poemas.

Atrevo-me a dizer que Faro (e quem diz Faro diz o Algarve) é cada vez mais um intrigante lugar de cultura e os exemplos que apontei são disso uma pequena prova. O leitor que se deixe intrigar, que deixe levar pela curiosidade, livros e locais intrigantes não faltam.

Adão Contreiras vive nos Gorjões (no campo, num Algarve diferente mas igual a si mesmo, em que em dois bancos corridos junto à estrada se põem as notícias em dia), lugar onde vive também o músico de jazz Zé Eduardo e, caro leitor, se tiver a sorte de ir a uma das festas que ali ocasionalmente se realizam, perceberá que a cultura (seja qual for o significado que se der à palavra) está viva a sul e recomenda-se.

Termino com um dos títulos/versos do livro, mais precisamente o da página 79: “nada tem peso a não ser a minha imaginação”.

Até à próxima, caro leitor, e deixa-te intrigar. 



 

OS MELHORES AFRODISÍACOS 

 

Ambicionamos o reconhecimento da qualidade do nosso produto e da nossa marca, isto poderiam dizer os escritores residentes no Algarve, para os que tenho tentado chamar a atenção, nesta rubrica que tem por guia o título “Da minha janela vê-se o Algarve” e por mote este desejo manifesto de destacar os muitos livros de qualidade editados no Algarve, que constituem por assim dizer um produto e uma marca locais.

Com as limitações que me são próprias e as da rubrica em si, desde logo o número de caracteres disponíveis (dois mil e quinhentos a três mil, incluindo espaços) tenho-me esforçado por levar o meu propósito avante. Mas voltando ao princípio, digo-vos que a frase com que comecei este artigo pertence à presidente da associação de produtores de ostras da Culatra, Sílvia Padinha, devendo no entanto ler-se “das nossas ostras” onde escrevi “do nosso produto”.

Não sei se gostam de ostras, caros leitores, mas, em caso afirmativo, creio que preferirão as melhores e (talvez, porque não?) as que são de produção local, como as certificadas “Ostras da Culatra” de que se falava numa das últimas edições deste jornal, ideia que me pareceu bastante boa.

Quanto aos livros as coisas não me parecem muito diferentes (e eu sei que me vão criticar por esta afirmação!), porque se queremos literatura de qualidade no Algarve não me parece nada uma má ideia (aliás parece-me a única razoável) privilegiar a produção local, dando preferência aos livros de qualidade aqui editados. E isto implicaria desde logo uma política efetiva de apoio por parte das entidades locais e não vagas declarações de intenções.

Sei que esta conversa daria (e tem dado) pano para mangas e que é eivada de escolhos (para não lhes chamar preconceitos), mas não tenho espaço para muito mais, que os caracteres já começam a escassear para o tanto que haveria a dizer e que tem de ser dito e discutido. E eu, verdade seja dita, não sou dado a falar sozinho e ainda quero trazer aqui um poeta (e advogado) que vive em Faro mas nasceu em Tavira, como o poeta Álvaro de Campos.

Tiago Nené, é este o poeta, foi publicado, além do mais, numa edição bilingue, pelo Ajuntamento de Punta Umbria, Andaluzia, Espanha, nunca tendo recebido idêntica atenção em Portugal. E o mesmo aconteceu a outros autores algarvios e portugueses que integraram a coleção em causa. Não vou comentar, acho que neste casos os fatos falam por si. Tire o leitor as suas conclusões.

Mas vamos ao poema, retirado de Polishop, edição de 2010. Como comecei com ostras escolhi um poema de amor, pelas notórias características afrodisíacas comuns às ostras e aos poemas.

 

SINFONIA DAS NUVENS

 

eu acho que te amo, disse.

como se o amor,

o verdadeiro amor,

admitisse

algum tipo de dúvida

 

Até à próxima, caros leitores, e sejam felizes no amor, na gastronomia e nas leituras.

 

PS para ser honesto, e eu tento sê-lo, ainda me sobraram alguns caracteres, mas a verdade é que já disse o que planeei dizer e fico por aqui.


 

01 de setembro

 

Nova Fábula Antiga

 

Era uma vez, há muitos, muitos anos,  um mouro velho que vivia feliz no amor da sua filha e da sua religião, assim dizia ele, e, ainda que falasse verdade, era óbvio que o amor mais forte era o que nutria por sua filha. E quis o destino, ou Alá, que Ali Abdul Ali, assim se chamava o mouro, viesse a ser colocado perante o dilema de ter de escolher entre a sua filha e a sua religião. Mas não nos adiantemos, leitor.

 

Por essa altura planeavam os cristãos um cerco ou ataque surpresa ao castelo, que a imaginação dos guerreiros é limitada e prática e, para o efeito, tinham sido enviados alguns batedores, entre eles um belo jovem de cabelos louros, órfão de pai e mãe, criado na doce adoração pela irmã mais velha, mulher muito devota e intransigente. Este jovem vai ter um papel importante. Mas não nos adiantemos, leitor.

 

A mulher do mouro morrera por ocasião do nascimento da filha, momento em que ele  decidiu nunca mais amar alguém que não fosse a filha, jovem alegre e um pouco fútil que tardava em casar. Indignava-se o mouro e censurava a filha, mas em segredo dava graças a Alá por ter o amor da sua filha só para si. E por esta altura já o leitor percebeu que rumo esta história vai tomar, mas não nos adiantemos.

 

Esta história que conto já foi contada antes e eu não me desviarei muito, apenas a contarei à minha maneira, como se fosse contada pela primeira vez. Mas recolha-se o narrador e deixe que a história se conte.

 

Quis o destino (e quer a história) que o cristão encontrasse a moura e ambos se apaixonassem, perante o horror e o desespero daqueles que mais os amavam. E as religiões de ambos, pai e irmã, ainda que diferentes e mesmo antagónicas, diziam a ambos o mesmo, que a moura e o cristão deviam renegar o seu amor. Por isso eles decidiram fugir juntos, mas tal nunca viria a acontecer  e acho que ninguém se surpreenderá se o disser já, sem mais delongas.

 

Foi o cristão encarregado de liderar um ataque surpresa, pela calada da noite e veio a ser morto pelo pai da sua amada que, ao contrário do que eu próprio antecipara, deixou que o amor pela sua filha ficasse em segundo plano. Tivesse a jovem moura se matado também e a história terminaria aqui, mas a história que se quer contar é outra história. Vejamos então!

 

Na fuga, porque a vitória lhe fugia, tropeçou o mouro velho, bateu com a cabeça e morreu logo ali. Conquistado o Castelo, veio a irmã do cristão enterrá-lo e, perante a visão do irmão que tão amado lhe fora, enlouqueceu e perdeu para sempre a razão. A jovem moura, que se sabia grávida, partiu para longe e, ainda que não o possa confirmar, sei que foi feliz, porque assim o escrevo. E o mesmo para o filho, que a felicidade é sempre generosa, até numa fábula tão desgraçada como esta.

 

E assim, querendo apenas contar uma pequena história, ou que ela se contasse, não resisti a meter o bedelho, por assim dizer, com as minhas considerações de autor sempre interessado em discutir a própria escrita, que afinal nada mais é do que a minha forma de contar.



 

15 de setembro

 

SER ALGARVIO!

 

Não nasci no Algarve mas sinto-me e digo-me algarvio; é pois natural que me pergunte o que é ser algarvio, partindo do princípio que ser algarvio é muito mais um estado de espírito do que a simples consequência geográfica de aqui ter nascido.

Não nasci no Algarve, repito, e o mesmo aconteceu aos meus pais. No entanto, se quisesse alegar raízes ancestrais a ligar-me a esta região, é certo que poderia fazê-lo, invocando os meus avós maternos, algarvios da serra alentejana, bem como os seus pais e os pais dos seus pais. Porém, a questão em causa é outra.

A serra é uma fronteira natural que criou e acentuou durante muito tempo um Algarve que se fez diferente, destino turístico de muitos no Verão, destino maldito dos que aqui vivem o resto do ano.

Mas, retomando a ideia de que ser algarvio é um estado de espírito, ideia inicial aqui avançada, em que consistirá então esse estado?   Será ter o olhar sempre pousado no azul? Será falar a cantar? Será gostar de xarém e de berbigão? Será ser avaro e comer na gaveta? Ser irreverente? Ser aquele rabugento alegre que reclama de tudo e que com pouco se alegra? Ser doce como o figo e intenso como o medronho? Estar sempre de férias? Gostar de peixe grelhado?

Muitas perguntas e nenhuma resposta, pode o leitor dizer e terá razão, mas a verdade é que perguntei a muitos como eu o que é ser algarvio e as respostas raramente coincidiram. A luz e o azul apareciam em muitas respostas, no entanto referiam-se mais ao ser Algarve do que ao ser algarvio, apesar de se sentirem todos algarvios.

Ou será que ser que ser algarvio é apenas estar aqui e querer e gostar de estar aqui. Mas o melhor é deixar que um escritor nos fale dessa sensação de sentir o Algarve na sua plenitude. E que melhor escritor do que um escritor algarvio que nasceu em Mar del Plata (Argentina) e tão bem diz o Algarve.

 

Penetro no azul

quero misturar-me com a paisagem

fundir-me com este lugar

fazer parte das salinas   das ilhas

dos pinheiros   dos cheiros vegetais

da vista da varanda da casa abandonada

estar nesta luz e neste vento

neste aroma   no monte próximo

na nora da casa destruída

Quero devorar a erva com estes cavalos   devorar

a paisagem  voar com estas aves

ser este moinho   ser o comboio que passa

 

Este fragmento do poema Marim, de António Ventura, diz bem, na minha opinião, este sentir-se algarvio, ou sentir-se a sul, que também assim se poderia dizer, este devaneio que nos leva a desejar a fusão com este lugar.

A terminar, e de passagem, gostaria de manifestar o meu sentido desejo de ver nova edição de as Visões de Marim, um livro decididamente a Sul, de António Ventura e Fernando Cabrita, onde está o citado poema Marim.


 

29 de setembro

 

O ALIANÇA ESTÁ MORTO! LONGA VIDA AO ALIANÇA!

 

Estou no Aliança e a porta giratória está a funcionar, o que nunca acontecia no Verão, se a memória não me falha. O salão continua espaçoso, os painéis de madeira continuam a ostentar fotografias de um Algarve a preto e branco, os tetos continuam altos e com estuques perfeitos e eu continuo a sentir-me bem aqui.

Claro que há diferenças, mas elas não me interessam agora. Estou no Aliança, repito, são 14:45 de um Domingo de Verão e tenho o Aliança quase só para mim. Escrevo à mão um rascunho desta crónica, sobre o tampo de mármore da minha memória e sinto-me bem neste café que, não sendo o mesmo que foi, é um café (ainda que insistam em chamar-lhe cervejaria) como já quase não existe, como dizemos às vezes dos homens e das mulheres a que reconhecemos valor (e às vezes exatamente o contrário). Já não existem homens como tu, dizem-me às vezes, e eu fico a pensar se é um elogio ou exatamente o contrário. No entanto, mudam-se os tempos e com os tempos mudam-se (ou morrem) as tradições e os lugares. Sempre foi assim e sempre assim será. Não tenho nada contra, no geral, e muito menos no caso do Aliança.

O Aliança que eu conheci está morto, já não existe, a não ser na minha memória. Levanto-me e vou à casa de banho, que já não é onde era, e sinto a falta do corredor à esquerda que já não existe e levava ao quiosque, ao corredor onde se jogava xadrez e, recordo-me ainda, à sala dos bilhares. E, no entanto, o Aliança está vivo, está mudado mas está vivo, se para melhor ou pior, sinceramente não sei, acho que depende do ponto de vista e acho que erra quem tomar partido, assim, sem mais nem menos, preto no branco. Confesso que se fosse a minha primeira vez no Aliança, este local me agradaria sem sombra de dúvida, mas tenho memórias do Aliança e tinha (e tenho) expectativas sobre este local e elas influenciam necessariamente a minha opinião.

Logo à partida, pela carga histórica que o café carrega, gostava de ver de alguma forma acentuada essa característica com, por exemplo, um folheto que descrevesse o passado do local ou um conjunto de livros e outros materiais disponíveis que o documentassem (podiam passar no ecrã existente utilizado para televisão) preservando/documentando esse mesmo passado. Dada a carga cultural do mesmo também me pareceria bem a existência no lugar de lançamentos de livros, recitais, espetáculos, mas este é apenas um ponto de vista, o meu ponto de vista, fruto do meu passado, do meu relacionamento com o lugar e da minha visão de um futuro presente.

Numa entrevista publicada antes da reabertura do Aliança o responsável por este espaço, Mário Nogueira, afirmava, parecendo concordar comigo que, entre outras coisas, “Queremos que volte a ser um espaço popular com um bom peso na área da divulgação da poesia, música, jazz, música popular, (no próximo ano quero charolas no Aliança). Como dizemos no slogan,  que já começámos a divulgar, queremos que seja o Coração de Faro.”

Nestas crónicas pretendo apenas levantar questões, expor mais dúvidas do que certezas. Não pretendo ter razão, disso estou certo, pelo menos aquela razão que exclui todas as outras razões.

O Aliança está morto! Longa vida ao Aliança!

 

Ah, já me esquecia, a cerveja é boa e pode pedir-se um traçado de cerveja branca e preta.



 

13 de Outubro de 2016

 

É MELHOR VIVER DO QUE ESTAR MORTO

Se disser que sou velho muitos o negarão, pelo menos aqueles que têm a minha idade ou mais, porque a verdade é que se gosta cada vez menos de ser velho. Não penso muito se sou ou não velho, se estou ou não velho, mas a verdade é que já fui mais novo, já fui várias décadas mais novo, o que me enche normalmente de orgulho. Ter vivido é bom, faz-me sentir um verdadeiro viajante do tempo, e poder ainda viver é igualmente bom.

É claro que envelhecer é também estar mais perto da morte, ainda que a morte corra sempre a par da vida. É claro que envelhecer é conhecer a degradação e sucessivas limitações implícitas, mas não é isso que a vida sempre é, um sucessivo ultrapassar de limitações ?

A esta altura o leitor interroga-se sem dúvida que idade terei eu e porque falo de velhice e de morte. Respondo de imediato, afirmando que tenho 59 anos de idade, ou pelo menos terei 59 anos quando este artigo for publicado, se ainda estiver vivo (lagarto, lagarto, lagarto). Não sofro de qualquer doença terminal nem de qualquer achaque para além dos normais nesta idade, mas a morte sempre me fascinou, nem que seja apenas para lhe contrapor a vida. E também as limitações com que sempre deparamos, porque na vida nunca importa tanto o que somos e o que nos acontece, quanto o que fazemos com o que somos e o que nos acontece.

Por outro lado, convencido que estive que morreria cerca dos trinta anos, só posso estar grato pelo que vivi, recebi e realizei depois. Por pouco que tenha sido, foi de certeza muito, disso não tenho qualquer dúvida e o mesmo quanto ao que ainda viverei.

Mas o que pensaria eu se tivesse oitenta e cinco e anos, que é a idade que a minha mãe tem? Gostaria de pensar que me sentiria grato, gostaria de pensar que ainda quereria viver, ainda gostaria de amar, de escrever, mas o que sei eu? Penso que foi Camus que disse que as razões para viver são também as razões para morrer, mas gosto de pensar que é melhor viver do que estar morto.

 Há poucos anos atrás recordo-me de estar com um amigo na presença do centenário Manoel de Oliveira, que nos batia por um ano na soma das nossas idades, e nos admirámos com a energia que se desprendia daquele corpo debilitado. Quem me dera a mim, repito o que então senti e disse a mim mesmo, estar sempre tão vivo quanto ele estava, quem me dera a mim nunca chegar a dizer que o que quero mesmo é morrer.



Oliver Sacks pouco dias antes de fazer oitenta anos e poucos anos antes de morrer, escreveu: Aos oitenta paira o espectro da demência ou do derrame. Um terço dos meus contemporâneos está morto, e vários outros, com graves problemas mentais ou físicos, vivem presos numa existência trágica e mínima. Aos oitenta as marcas da decadência são demasiado visíveis. Nossas reações são um tanto mais lentas, os nomes nos fogem mais amiúde, e cumpre administrar melhor as energias, mas ainda assim é possível nos sentirmos muitas vezes cheios de vigor e nem um pouco “velhos”.



30 de Outubro de 2016

 

LEIA E GANHE PRÉMIOS!

 

O prémio Nobel da literatura foi este ano atribuído a Bob Dylan. Alguns concordam, outros discordam. Não vou discutir se o prémio foi merecido ou não, não vou discutir se fo prémio foi ou não bem atribuído, mas quero deixar claro que são duas coisas diferentes.

Um prémio, qualquer prémio, é sempre o reconhecimento do premiado e também o reconhecimento da área em que se distingue. Quero dizer com isto que um prémio literário, qualquer prémio literário, e o Nobel, por mais importância que se lhe conceda, é um entre muitos, aponta em primeiro lugar para a literatura, para o seu valor, dando-lhe destaque, e só depois para o premiado.

Gosto de pensar que estes prémios, ao afirmarem a literatura e os seus autores, são  um convite à leitura, não só para os leitores habituais mas também para aqueles que habitualmente não leem. E é claro que ao distinguir um autor, quer seja um dos seus livros ou a sua obra, se está a sugerir a sua leitura e o Nobel é exemplo disso, como facilmente se pode constatar nos escaparates das livrarias e demais postos de vendas depois da sua atribuição.

O que me causa alguma confusão é que os prémios literários, e o Nobel é exemplo, muitas vezes chamem mais a atenção para o autor do que para a sua obra, que muitos desconhecem e continuarão a desconhecer. O que me causa alguma confusão é que alguns prémios chamem mais a atenção para si mesmos do que para o premiado. Mas o que me causa mesmo confusão é que o interesse pela literatura, e não esta, esteja pela hora da morte, desculpem-me a expressão vulgar.

É claro que os prémios são importantes, sem dúvida, mas gostaria de pensar que o mais importante é a literatura e o prémio que pode ser a sua leitura para qualquer pessoa que a encontre, atraída ou não por prémios literários. Confesso que eu próprio às vezes me interrogo quanto ao valor da literatura, mas não é menos verdade que continuo a ler, se escritores e obras premiadas  ou não, tanto me faz, desde que me permita viver e sonhar. Mas se os prémios não são tudo, ignora-los também não me parece a melhor atitude, porque ignorar os prémios literários é, no fundo, ignorar a própria literatura.

Fernando Esteves Pinto ganhou este ano o prémio literário Cidade de Almada, na categoria de romance, e Carlos Campaniço ganhou o mesmo prémio em 2012. É um prémio importante e com prestígio no panorama literário nacional. Aponta para a literatura nacional e para os seus autores.

Assim, a minha sugestão é que se deixe tentar, caro leitor. “O que não mata, engorda”, diz o povo, por isso procure os livros destes dois escritores e leia-os. Pode compra-los, trazê-los da biblioteca ou pedi-los a um amigo, pouco importa! E depois diga-me coisas.

PS- Pouca importância tem, caro leitor, mas ambos os escritores residem no Algarve.