quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Tempestade

A tempestade é sempre a mesma, disse

O miúdo enquanto pescava um macaco

Do nariz arrebitado. Se assim fosse, como surgiria a bonança?

Questionou o triste e imprevisível capitão

Das naus pousadas no mar.

Os trovões ribombaram ecoando

Nas previsões dos videntes acocorados

Na espuma das tardes sem crepúsculo,

No abismo da noite inatingível.

A criança, que a interpretação dos sonhos regia,

olhou demoradamente a tempestade, a particularidade

de alguns elementos, e retorquiu, talvez

sem deixar transbordar a doçura das folhas das árvores.

Domina as indomáveis

Nada é mais impreciso do que pensar

Que a bonança vem no fim das tempestades,

A quietude participa do que de mais essencial

Prevalece nas indomáveis revoluções

Dos abismos entrópicos.

Mesmo quando a tua alegria não conhece

Os estilhaços da dor.


vítorgilcardeira

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Era Uma Vez um Homem

 38

 

Era uma vez um homem normal, completamente normal, que vivia numa perfeita mediocridade, nada o distinguindo dos outros, a não ser o facto de ser praticamente invisível, como uma nuvem cinzenta num dia de inverno. Um dia morreu.

 

59

 

Era uma vez um homem que se sentava todo o dia num pequeno quarto duma pensão miserável, examinando o mundo, e descobria sempre razões mais ou menos escondidas e tornava-se cada vez mais empático, até que percebeu finalmente que não era mais do que uma parte do todo. Um dia saiu para a rua e nunca mais ali voltou.

 

45

 

Era uma vez um homem que escrevia progredindo pouco a pouco, palavra a palavra, atento à melodia das suas emoções, as mãos perscrutando obsessivamente o teclado e batendo com força no chão com o pé direito. Um dia, sem dar por isso, escreveu uma sonata.


Luís Ene

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Autores algarvios

 Podem ouvir (ever) alguns autores algarvios, incluindo eu, em Unir-Versos.

Esquisito

 Esquisito 



ler de olhos fechados 

resistir 

descobrir quão pouco tens para dizer

roubar a ladrões 

 sair por dentro 

 ler o que tinhas em mente 

dueto a solo 

perder-se 

nunca estar sozinho 

desistir a meio do caminho 

 ardor de lâmina que sentimos 

quando se apaga a memória 

romper a sombra 

se a espessura desta o permitisse


escrever escrever escrever

Espúria

 Quase a chegar!